quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Cúmplice do meu estar


Não há um longe.
Nem um perto.
Tão pouco uma mediana distância
entre todo o meu ser pensamento
e o tu, totalidade do momento.

Consigo apalpar a serenidade
na casa do meu olhar,
mobilada de palavras,
resplandecente de sentires,
recatada na cumplicidade
do musical que deixaste
gravado, no adeus da saudade.

Levas-me no vermelho labial,
sugado que foi o meu odor,
aspirado no doce sabor
de um arroubo cúmplice
do amor consentido.
- Como dança tribal.
- Fogo ateado em ritual crendice.

Tudo deixa de ter sentido,
o ser, o estar, o amar,
se no olhar travestido
a cumplicidade perdida
se aloja na distância lunar.

OF -  27-11-13
Foto – Autor desconhecido

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Renascer na poética do ser

Um acaloramento me invade, apesar do rendilhado do vestido. Também a natureza se enfeita de rendas como véus esvoaçantes associando-se ao baile das vindimas; aos olhares cúmplices quando dedos pegajosos do suco que larga o cacho cortado apressadamente, se tocam e os sorrisos se soltam em faces vermelhas de verão; às coreografias espontâneas que se teatralizam em cenários naturais se decido sentar-me na plateia do meu ser; aos musicais que surgem em improvisos como em canto de desgarrada, inigualáveis, porque a banda nunca será a mesma…
Como baila este dia outonal respondendo ao desafio de um sol que se pintou de um amarelo indefinido, diluindo o acinzentado de um céu que queria fazer morada, pincelando-o de azuis luminosos onde sobressaem continentes de nuvens branco pureza…
Como me sonho em dias assim, mergulhando nas calmas águas do rio do meu sorriso. No fundo, espelhado está o mundo maravilhoso do meu sentir. Os momentos deste enamoramento. O namoro que faço acontecer. O suspiro profundo desta comunhão que deixo perpetuado nas palavras tatuadas no poema que não escrevi…
Guardo-o e declamo-o, inaudível, para mim. Em dias assim, sem idade, de eterna jovialidade. E é nesta juventude poética que renasço, elixir milagroso que eclipsa qualquer marca temporal…

Odete Ferreira -  06-10-2013

domingo, 10 de novembro de 2013

Ser de razão ou emoção. Eis a questão!

Um tempo de instantes relâmpago.

Um trovejar surdo chegando como marejar
longínquo. Cá dentro a lacrimejar.
Um tempo cadenciado, cronometrado.
Ausente nos instantes de decisão
entre emoção e razão…

Em razão inversa ao tempo,
é o ser de inteligência emocional,
(num sentir tão encovado,
 de morada incerta
 no corpo irracional)
que toma a singular decisão
entre razão e emoção…

Circunstancial pode ser a razão,
desprovida de sentido
quando mede forças com a Verdade
e se digladia com a intuição.
Mas se toma assento a emoção,
o tempo é irmandade
em superior estado fugidio.

Ser de razão ou ser de emoção.
Na dialética eterna questão.

Tratados e raciocínios lógicos,
atestados de argumentos filisóficos,
não dão razão à emoção.

Hoje, em tempos que serão históricos,
num tempo de novo mundo gestionário,
preenche-me a emoção num global imaginário…

OF  - 23-10-2013

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Há momentos que...

Há momentos que nos abalam como rajadas fortes de um vendaval. Depois é preciso tempo para reparar os estragos. É nesses "estragos invisíveis" que tenho aplicado muito do meu tempo nestes últimos dias. Hoje foi mais um dia em que tive de repor algumas coisas no seu lugar. Quando uma pessoa querida parte, há que organizar a sua memória. Como se de um museu vivo se tratasse. Afinal é a nossa identidade que está em causa... A saudade também se coisifica: nos objetos, nos papéis, nas notas manuscritas...
A ausência é apenas física. A presença ficará nos espaços, no tempo da nossa memória, nas diligências formais. Gosto destes gestos. Sou apenas a sua procuradora. No céu tudo é imaterial. E é só por isso que a saudade não é para mim somente um nome abstrato...

Obrigada por tantos gestos de carinho...

Odete Ferreira, 07-11-13

sábado, 2 de novembro de 2013

Sei que me ouves, tio Zé

Sei que me ouves, tio Zé. E não podia ser de outra maneira e se as lembranças não estivessem tão materializadas na minha identidade memorial, não te escreveria…
A tua casa, a casa multifacetada da minha infância, os espaços onde tantos objetos eram já míticos, altares do meu olhar infantil, possuídos do sentido espiritual de ti, do avô Alcino, da avó Cândida, eram já pertença do meu ser menina, como se um lado esotérico me aureolasse…
Na pequenez dos meus seis, sete anos já sabia que um dia habitariam no meu espaço. E habitam! Estão vivos numa divindade de cada um de vós. Há crenças que não se questionam. Sentem-se. Não se explicam. Tal como a natural curiosidade que a avó Cândida, sabiamente, me inculcava com os seus relatos de rituais que continuava a cumprir. Ficava numa espécie de limbo. Saía do tempo real, o eco das suas palavras pousavam-me delicadamente em outros tempos, em outros lugares, envoltos em brumas de mistério…
Na minha juventude, permanecia horas – orelhas  arrebitadas, cotovelos afivelados – a seu lado, fazendo companhia a um corpo inerte, acamado e a uma memória prodigiosa, arrastando-me nos seus fantásticos contos das mil e uma noites. E tanto me viciava como me saciava o voraz apetite pelo misterioso. De tal forma se inculcou que fez parceria na minha relação com a vida e no paulatino questionamento do seu sentido. Queria respostas…
A voracidade de leituras, a atração pelos relatos de fenómenos ditos paranormais, foram centralidade num processo de dialética… Hoje, no distanciamento de décadas, sei que o espírito de cada um de vós, traduzido na atitude e nos atos, nunca foi uma obrigação. Foi devoção. Foi doação. E tu, tio Zé, foste o exemplo mais completo que vivificará no imaginário de cada uma das pessoas a quem te deste. E eu sou uma fidedigna testemunha. E a tua chama olímpica estará em mim, simples estafeta de um caminho que desbravo no interior de mim...
Até já, tio Zé.
OF, 30-10-2013
Foto – Autor desconhecido

(Nas minhas memórias, um momento de memória do Tio Zé, falecido a 27 de outubro, por atropelamento brutal...)