Obra de Josephine Wall
Tenho pensado muito na dor. Essencialmente a física, a que sabemos
localizar, a que sabemos descrever com bastante precisão, desenhando um rosto
que nos faz caretas de gozo, apetecendo espantá-lo com as armas da infância: as
pedras do terreiro, sempre ali à mão de semear.
Mas já não há terreiros. As pedras e as pedrinhas – por vezes só
queríamos um tantinho de espanto, mais a ameaça do que o alvo – jazem em
cemitérios invisíveis, substituídas pelo efeito da beleza formal. Os terreiros
capitularam face às pracetas; as pedras toscas, lapidadas a jeito dos novos
tempos, tomaram formas regularizadas, possibilitando desenhos artísticos.
Continuam pedras, apesar de novas identidades. Só que já não estão à mão de
semear. E a dor continua a ter rosto. Um rosto que se pode tornar mais
atraente, buscando os remédios que os fazedores de milagres – uma extensão do Santo
Graal – disponibilizam no mercado, guerreando-se com a dispensa dos cavaleiros
da Távola Redonda.
Contudo, nunca nenhum ganhará a corrida contra o tempo. Contra a
inexorabilidade da condição humana. Contra as marcas da dor. Contra a dor. E a
verdade é que não sei se serei tão estóica quanto isso, quando ela me vier
visitar e resolver habitar uma qualquer dependência da minha casa. Intuição ou
tão só o medo que nos acompanha desde os primeiros passos. Não sei. Mas a que
vejo em rostos que me são muito próximos, parecem-me sinais de fraqueza. Ou uma
antecipação dela. Ou um processo de reforço do sistema imunitário.
Em todo o caso, sei que de nada me serve a frase feita “não sofrer
por antecipação”. Mas sei, igualmente, que é preciso fazer do momento, o momento.
Apurar os sentidos. Adotar um olhar de lince para atravessar os nevoeiros com
passos seguros.
Odete Ferreira – 10-01-16